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Bens materiais ou imateriais da natureza rendem negócios, demonstrando que cada pé de planta pode valer a pena e fazer a diferença

Por Sérgio Adeodato

Novos modelos de uso econômico e sustentável da biodiversidade podem gerar renda em maior escala e se tornar competitiva em relação a atividades que desmatam, viabilizando a conservação dos recursos naturais, com benefícios ao planeta. Em muitos casos, as práticas seguem o conceito de agrofloresta, por meio do consórcio entre mata nativa e espécies comerciais que diversificam a produção.

Em Patos de Minas (MG), a semente foi plantada, há sete anos, com a demanda da indústria de aviação alemã por pesquisas de biocombustíveis para mover aeronaves em lugar da opção convencional, vinda do petróleo. A estratégia era uma resposta às pressões para reduzir emissões de carbono.

Diante do desafio, cientistas coordenados pela Universidade de Leuphana, na Baixa Saxônia, rodaram o mundo em busca de óleos vegetais capazes de suprir de forma viável e segura o novo mercado. A palma (dendê) e a soja chegaram a ser cogitadas como fonte, mas pecavam no quesito sustentabilidade, devido a problemas como desmatamento e uso excessivo de agrotóxicos. Até que, no Brasil, a equipe europeia, de tanto investigar, descobriu uma palmeira nativa promissora: a macaúba.

“Mas as atenções acabaram se voltando ao potencial de aplicações mais nobres, de maior valor e escala, como a indústria de alimentos e cosméticos”, conta Johannes Zimpel, diretor da empresa Inocas, de Patos de Minas (MG), integrante do esforço inicial de prospecção. Entre outros pontos, a vantagem da planta estava na ampla presença no território nacional, na alta produtividade de óleo vegetal e na característica de conviver em harmonia com pastagens.

Após estudo de viabilidade financeira com a coleta de 300 toneladas do fruto no pasto e enriquecimento com plantio da palmeira em áreas da agricultura familiar, foi estabelecida a meta de alcançar 2 mil hectares e 100 pequenos produtores para processamento de 8,5 toneladas por hora. Como projeto experimental, uma pequena usina instalada em uma comunidade rural de Carmo do Paranaíba (MG) começou a beneficiar 50 quilos por hora no intuito de azeitar a produção e demonstrar a capacidade do insumo natural como matéria-prima para diferentes setores industriais.

“Se metade das atuais pastagens do Cerrado recebesse plantios de macaúba, o volume de óleo seria provavelmente maior do que o obtido da palma para uso na maioria dos alimentos industrializados em todo o mundo”, estima Zimpel, ao lembrar o impacto social positivo. Com a palmeira consorciada à pastagem visando a diversificação de alternativas de renda, a receita do produtor de gado para carne ou leite, hoje em média de R$ 500 por hectare na região, poderia dobrar para R$ 1 mil. Além de fornecer o insumo da biodiversidade, a árvore ajuda no sombreamento da pastagem, melhorando o conforto térmico dos animais com ganho de produtividade. E ainda evita erosão das colinas, atrai fauna silvestre e captura carbono da atmosfera.

Vinte propriedades rurais, no total de 150 hectares, integraram-se em 2018 ao projeto, que tem parceria com o Instituto Agronômico de Campinas e outros centros de pesquisa, na perspectiva de ultrapassar barreiras científicas, convencer sobre o potencial da planta e replicar os resultados no campo. Um desafio técnico, vencido na última década, por exemplo, foi resolver a dificuldade de quebrar a forte dormência das sementes que prejudicava a viabilidade do plantio comercial. Hoje, segundo Zimpel, busca-se eficiência do processamento do fruto para se chegar a uma matéria-prima condizente com os padrões da indústria de cosméticos, a que paga melhores preços pelo produto.

Explorada para fornecer óleo à iluminação pública quando não havia energia elétrica, a macaúba – Acrocomia aculeata, também conhecida como bocaiúva – é alimento de araras, cotias, capivaras, antas e emas. Cheia de espinhos, foi bastante suprimida da paisagem ao longo das décadas, quando deixou de ter utilidade à população. Atualmente, surge uma nova perspectiva, na onda da demanda por alimentos e cosméticos. O uso do óleo como combustível de aviões, possibilidade de impulsionou as pesquisas, foi para o fim da fila. Um dia poderá voltar à cena, tendo em vista a meta do setor aeronáutico de se tornar carbono neutro no mundo até 2027. “Uma planta que se tornou esquecida está sendo agora redescoberta como fonte de matéria-prima disputada por setores de largo consumo”, afirma o empresário.

Amêndoas aliam lucro e conservação

Em São Paulo, a novidade que diversifica a produção nas fazendas corre por conta de uma amêndoa originária da Austrália, bastante apreciada na gastronomia: a macadâmia. “A espécie pode ser consorciada à mata nativa para fins de restauração florestal com uso econômico”, explica o empresário Edwin Montenegro, que apostou na especiaria e tratou de cultivá-la na centenária propriedade de cana-de-açúcar da família no município de Bocaina (SP) como alternativa econômica contra os riscos da crise sucroalcooleira, em 2005.

Diante dos bons resultados, criou a Arroba Sustentabilidade, negócio que vai além de processar e vender o fruto no mercado. A proposta é construir uma relação entre empreendedores e produtores rurais que buscam sintonia com meio ambiente, adotando uma estratégia produtiva de uso do solo, no conceito de agrofloresta.

Monitoramento em pomar de macadâmia. Foto: Arroba Sustentabilidade/ Divulgação
Monitoramento em pomar de macadâmia. Foto: Arroba Sustentabilidade/ Divulgação

Como base experimental para inovações, a antiga fazenda implantou diferentes tipos de pomares de macadâmia: um reunindo apenas plantas dessa espécie, outro integrado a um cafezal e um terceiro associado à mata nativa. “O objetivo é auxiliar o planejamento produtivo em 16 municípios da região, identificando nas propriedades áreas de maior declividade e de passivos ambientais que poderiam receber as árvores da amêndoa”, revela Montenegro, que estruturou viveiro de mudas para fornecimento aos vizinhos. Dos 650 mil hectares mapeados pelo projeto, 94 mil têm disponibilidade para o novo cultivo, dos quais 24 mil correspondem a áreas que por lei precisam ter a vegetação nativa restaurada.

Essa demanda potencial abrange 17 mil pequenos proprietários, cada um com possibilidade de alcançar renda anual de R$ 40 mil a R$ 50 mil por hectare após 12 anos, quando os pomares se tornam adultos. Deduzindo-se os custos da produção, metade desses valores entra na contabilidade das famílias como lucro. Diferente das espécies madeireiras, cortadas com fins comerciais, a macadâmia rende o ano todo porque é mantida em pé. Segundo dados da empresa, a rentabilidade da espécie por hectare é superior à da soja, do milho e do café, e o dobro da alcançada pela cana.

A proposta do negócio é principalmente a valorização e o empoderamento da mão de obra rural com visão ambiental, o que inclui a criação de modelos de mosaico agroflorestal para recomposição de Reserva Legal, em que a macadâmia, uma planta exótica, entra num consórcio com espécies nativas, também na perspectiva de ganhos com o estoque de carbono. “Seguimos a linha da nova agricultura de processos e não de insumos, com menos adubo e defensivos químicos”, explica o empresário.

Na fazenda, a macadâmia passa por máquinas para retirada da casca, secagem e armazenamento com ventilação fria, destinando-se a compradores de diferentes perfis. Além do consumo como snacks, a amêndoa é a base de vários alimentos, como granolas, farinha e azeite. Na indústria de cosméticos, apresenta de propriedade de combater radicais livres e rejuvenescer a pele, sendo utilizada em sabonetes, xampus e produtos esfoliantes.

Na análise de Montenegro, “o potencial de mercado é promissor, sabendo-se que a produção do País é ainda pequena”. Com dez indústrias processadoras do fruto em operação, o Brasil produz 1,1 mil toneladas por ano, enquanto na África do Sul e Austrália o volume é quase 12 vezes maior. No mundo, o mercado de macadâmia duplicou nos últimos dez anos, com 52 mil toneladas em 2017, mas a iguaria representou somente 1% do consumo total de nozes e amêndoas, segundo dados do International Nut and Dried Fruit Council Foundation. Estados Unidos e China são os principais importadores.

Visitas guiadas à fábrica de chocolate

Quando o assunto é alimento produzido com a manutenção da floresta em pé, o capital natural se traduz em diferentes atividades, como é o caso do turismo. Na Ilha do Combu, próximo a Belém, no Pará, a ribeirinha Izete dos Santos Costa, mais conhecida como Dona Nena, vivia do extrativismo do cacau nativo, beneficiado de forma rudimentar para venda a atravessadores por preços vis. Como na maior parte da Amazônia, a vida como refém dos comerciantes que compram produtos da floresta estaria condenada a jamais mudar, não fosse a ideia que surgiu quando as mulheres locais tentavam sem muito sucesso obter renda vendendo biojoias de sementes na feira da capital.

Como eram muitas bancas de comerciantes com o mesmo produto, havia a necessidade de se pensar algo diferente, e o grupo percebeu que receitas de família poderiam ser o caminho. Foi quando veio à lembrança de Dona Nena o chocolate caseiro feito pela mãe, pilado manualmente e embrulhado na folha de cacau, como uma minipamonha. Logo, encontrou-se uma maneira de retirar o açúcar e fazer o produto embarcar na onda dos orgânicos e da alimentação saudável. Assim, ganhou fama na feira; vieram reportagens e com elas mais notoriedade, até a empreendedora decidir, em 2011, pela profissionalização do negócio, batizado de Filha do Combu.

Dona Nena em visita guiada à fábrica de chocolate. Foto: Filha do Combu/ Divulgação
Dona Nena em visita guiada à fábrica de chocolate. Foto: Filha do Combu/ Divulgação

“O modelo se ampliou e acrescentou maior valor à floresta”, atesta Mario Cesar Carvalho, à época consultor da marca. Após desenvolver as embalagens, dando identidade ao projeto, passou a coordenar uma estrutura bem organizada que hoje proporciona diversas frentes de renda para a localidade.

Com a receita da feira, a empresária ribeirinha construiu uma nova casa para expandir as atividades, antes realizadas informalmente na sua própria moradia, e iniciou um concorrido roteiro de visitação que abrange o traslado de 20 minutos em barco tradicional de Belém à ilha, na Baía do Guajará, e uma trilha no quintal dos cacaueiros em meio à floresta de várzea. A atividade demonstra o potencial de um modelo de negócio criado a partir do ambiente de produção do cacau, ou seja, dos serviços ecossistêmicos, tanto os de provisão como os culturais. No percurso, são apresentados o bioma onde cresce o cacau e as dezenas de outras espécies de árvores responsáveis por manter o equilíbrio dessa área de proteção ambiental.

Os atrativos incluem a visita à produção de chocolate, degustação de brigadeiros e, finalmente, compras na lojinha. Com média de 300 turistas por mês, de janeiro a junho de 2018, a receita foi de R$ 36 mil com as atividades relacionadas às visitas guiadas. Desse valor, cerca de 55% são revertidos de imediato para a Dona Nena para o pagamento dos serviços de alimentação e taxa de visitação. Os 45% restantes são destinados a pagamento dos demais parceiros: guias, barqueiros e a estrutura de gestão e planejamento dos passeios.

Como desdobramento, criou-se um grupo de economia criativa com foco no resgate da cultura cabocla. “A intenção é expandir o aprendizado com o cacau para ganhos em outras atividades, como a extração de açaí e a produção de cestaria e de farinha, criando uma espécie de museu ao ar livre da vida ribeirinha”, revela Carvalho. Para ele, é necessário “arregaçar as mangas para não depender de governo, porque destruir a floresta é um tiro no pé”.

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